As três outras maneiras de ação da caridade são admiravelmente resumidas pelo conselho dado por Buda aos seus discípulos: “Com seus corações transbordando de compaixão, vão por esse mundo dilacerado pelo sofrimento, sejam instrutores, e onde quer que a escuridão da ignorância domine, acenda uma tocha.”
Instruir aqueles que sabem menos, dar àqueles que fazem do mal a força para abandonar seu erro, consolar aqueles que sofrem, estas são todas ocupações da caridade compreendida de maneira correta.
Assim caridade, observada do ponto de vista individual, consiste, para cada um, dar a outros tudo o que eles necessitam, na proporção de seus meios.
Isto leva a duas observações.
A primeira é que não se pode dar o que não se controla.
Materialmente isto é tão evidente que não é necessário insistir no assunto. Mas intelectualmente, espiritualmente, a mesma regra é verdadeira.
Com certeza, como se pode ensinar alguma coisa que não se sabe? Como alguém pode guiar o fraco no caminho da sabedoria se ele mesmo não o trilha? Como alguém pode irradiar amor se não o possui dentro de si?
E a caridade suprema, que é a doação integral para a grande obra da regeneração terrestre, implica primeiro de tudo, que se possa dominar o que se quer oferecer, isto é, aquele alguém é mestre de si próprio.
Somente aquele que tem perfeito autocontrole pode consagrar-se com toda sinceridade para grande obra. Pois só ele sabe que nenhuma vontade oposta, nenhum impulso inesperado poderá nunca mais impedir sua ação, avaliar seu esforço colocando-o em desarmonia consigo próprio.
Neste fato encontramos justificativa para o provérbio antigo que diz: “A Caridade começa em casa.”
Esta máxima parece encorajar todo tipo de egoísmo, e também é uma expressão de uma grande sabedoria para quem entende corretamente.
Isto porque as pessoas caridosas erram em obedecer este princípio que seus esforços se tornam infrutíferos com freqüência, que sua boa vontade é distorcida em seus resultados, e que, no final, eles são forçados a desistir de uma caridade que, por ser erradamente exercida, é causa de nada além de confusão, sofrimento e desilusão.
Esta é evidentemente uma maneira errada de interpretar esta máxima, que diz, “Primeiro vamos acumular fortuna, inteligência, saúde, amor energias de todas as formas, então podemos distribuí-las.”
Pois do ponto de vista material, quando a acumulação para? Quem adquire o hábito de empilhar nunca acha sua pilha grande o suficiente.
Tenho sido levada a fazer uma observação sobre isto: que na maioria dos homens a generosidade parece existir na proporção inversa de seus recursos monetários.
Observando a maneira com que trabalhadores, necessitados e todos os desafortunados agem entre si, sou forçada a concluir que os pobres são muito mais caridosos, mais preparados para socorrer seus companheiros de infortúnio do que aqueles que são favorecidos pela fortuna. Não há tempo suficiente para detalhar tudo o que tenho visto, mas asseguro que é instrutivo. Posso, em qualquer caso, assegurar que se os ricos, na proporção do que possuem, dessem tanto quanto os pobres, logo não haveria uma única pessoa faminta no mundo.
Assim ouro parece atrair ouro, e nada seria mais fatal que querer acumular riqueza antes de distribuí-la. Mas também, nada seria mais fatal que um esbanjamento precipitado que, por falta de discernimento, desperdiçaria uma fortuna sem beneficiar ninguém.
Não vamos confundir desinteresse, que é uma das condições da verdadeira caridade, com a falta de interesse que nasce da negligência ociosa.
Vamos aprender portanto fazer uso ponderado do que podemos ter ou ganhar enquanto doamos a mínima ação possível para nossa pessoa e, sobretudo, não vamos esquecer que caridade não deve estar confinada à ajuda material.
Nem a na área das forças é possível acumular, pois a receptividade ocorre na proporção do gasto: quanto mais se gasta beneficamente, mais se torna capaz de receber, assim a inteligência que se adquire é proporcional a inteligência que se usa. Somos formados para manifestar uma certa quantidade de força intelectual, mas se nos desenvolvermos mentalmente, se colocarmos nossos cérebros para trabalhar, se meditarmos regularmente e acima de tudo se beneficiarmos outros com os frutos, embora modesto, dos nossos esforços , nos tornaremos capazes de receber uma quantidade maior de forças intelectuais constantemente profundas e puras. E o mesmo é verdadeiro para amor e espiritualidade.
Somos como canais: se nós não permitirmos o que recebemos fluir livremente, não só se tornará obstruído como não se receberá mais nada e o que se contem estragará. Se, ao contrário, permitimos todo esse fluxo das forças vitais, intelectuais e espirituais flua abundantemente, se impessoalmente soubermos como conectar nossa pequena individualidade à grande corrente universal, o que dermos retornará centuplicado.
Saber como não nos excluir da grande corrente universal, ser um elo na corrente que não deve ser quebrada, essa é a real ciência, a chave exata para caridade.
Infelizmente há um erro comum que é um sério obstáculo para a aplicação prática deste conhecimento.
Este erro encontra-se na crença de que uma coisa no universo pode ser nossa propriedade. Tudo pertence a todos, e dizer ou pensar, “Isto é meu”, é criar uma separação, uma divisão que não existe na realidade.
Tudo pertence a todos, mesmo a substância do que somos feitos um turbilhão de átomos em movimento perpétuo que momentaneamente constitui nosso organismo sem permanecer nele e que, amanhã, formará outro.
É verdade que muitas pessoas dominam grandes possessões materiais. Mas para estar de acordo com a lei universal, devem considerar-se tutores, administradores dessas posses. Eles têm que saber que essas riquezas foram confiadas a eles para que possam administrá-las para o melhor interesse de todos.
Nós percorrermos um longo caminho desde a concepção estreita da caridade restrita de darmos um pouco do que temos em excesso aos desafortunados que a vida põe em nosso caminho! E o que dizemos sobre riqueza material se aplica também da riqueza espiritual.
Os que dizem, “Esta idéia é minha”, que pensam que estão sendo muito caridosos ao permitir que outros se beneficiem dela, são insensatos.
O mundo das idéias pertence a todos; a força intelectual é uma força universal.
É verdade que algumas pessoas são mais capazes que outras de entrar em contato com o campo das idéias e manifestá-lo através de sua consciência cerebral. Mas isto não é senão outra responsabilidade para eles: desde que estão em posse desse bem, eles são seu administrados e devem ver que seja usado para o bem de um número maior de pessoas.
O mesmo é válido para todas as outras forças universais. Somente o conceito de união, de identidade perfeita de tudo e todos, podem levar a verdadeira caridade.